quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Moço, escreve pra mim!


- Moço, escreve pra mim?

Foi assim que ela me abordou. Eu caminhava lendo um pequeno caderno de anotações, quando ela me abordou novamente:

- Moço escreve pra mim?

Tinha um rostinho tão lindo e uma voz tão meiga aquela garotinha. Como poderia recusar um pedido seu? Não a conhecia, aliás, acho que nunca a tinha visto.

Ela me olhava com aquela olhar interrogativo, de forma tão intensa que era impossível não fazer o que me pedia.

Dei-lhe um sorriso. E ela me devolvera de volta. Bem, pelas minhas contas aquela garotinha devia ter uns 4 anos e creio que ela ainda nem sabia ler e escrever. Mas então porque diacho ela haveria de estar me pedindo que lhe escrevesse algo?

O brilho daquele pequeno olhar me fazia sentir como se já a conhecesse, mas tinha certeza que nunca a vira antes na vida.

Pois bem, sem saber direito o que pensar diante daquela inusitada situação, sentei-me junto dela a beira da guia da calçada. Com meu pequeno bloco de notas e a caneta em mãos eu realmente não sabia o que escrever para ela.

Foi aí que por um segundo olhando em seus eternos olhos brilhantes senti uma profunda inspiração para escrever algumas linhas.

Foi então que de repente, minha mão começou a trabalhar e trabalhar... e já quase nem sabia direito o sentido daquilo que escrevia, apenas escrevia pelo impulso de meu coração.

Nunca jamais em toda a vida eu poderia me esquecer daquela experiência, daquela pequena garota sentada na calçada pedindo para lhe escrever algo. Acredito que tão pouco ela mesma sabia o que estava fazendo, e de certo também seguia o impulso daquele pequeno coraçãozinho. 

- Feito! Aqui está. Disse a ela e lhe entreguei aquele papel.

Ela nada disse, mas no mesmo instante abriu-se num lindo sorriso, como se sua alma estivesse a me dizer muito obrigado! E com meu coração também exultante de uma alegria que não sabia explicar, segui em meu trajeto.

Que momento fora aquele! Algo que não sabia explicar, uma sensação, um sentimento, de que tudo ali fazia sentido, em algum lugar dentro de sua alma. E sentia-se feliz, incrivelmente feliz.

Passou o resto do dia e também os próximos com aquela sensação de felicidade dentro de si, mas não disse a ninguém sobre o ocorrido, porque certamente não entenderiam e afinal não tinha necessidade nenhuma de compartilhar com alguém.

 Joana era o seu nome. Pegou aquele papel como se fosse o doce mais gostoso do mundo. Sorria placidamente observando cada linha, onde estava o texto que o rapaz lhe escreveu. Ressentia-se por ainda não saber ler e escrever, mas isso não era problema para muito tempo, logo ia crescer e aprender o que todos os adultos aprendem.

E então, com todo o carinho de seu coração beijou aquele papel, e guardou dentro de sua caixinha de música bem escondidinho. Aquele seria um segredo só seu e não contaria nem mesmo para sua querida mãe. No tempo certo e na hora certa ela ia saber o segredo que continha nas linhas daquele papel.

 De sua parte, o coração daquele rapaz também sabia que somente o tempo seria capaz de revelar aquela pequena criança o que ele lhe escrevera. Aquilo fora de alma pra alma, e um dia quem sabe a vida os colocasse novamente frente a frente. E isto era pra daqui há muito tempo, conquanto agora tinha de se preocupar com coisas mais importantes.

Anos se passaram e a menina Joana simplesmente se esqueceu daquele seu segredinho. Viveu intensamente sua infância e adolescência. Até que lá pelos seus 21 anos, de repente, lembrou-se daquela doce lembrança de sua infância: o dia em que reencontrara o grande amor de sua vida.

Hoje com o coração já mais maduro, ela era capaz de entender o que ele havia lhe dito naqueles dias de tenra infância. Claro, que não havia como ela ter esse conhecimento naquele tempo, mas era isso o que ele estava lhe dizendo nesse exato momento. Aquele homem que passava bem ali a sua frente não era um estranho qualquer, ele era a luz do seu bem querer. Era o homem que lhe estava destinado a amar nessa e em todas as outras vidas que houvessem pela frente. Agora sabia: ele era a sua alma gêmea!
E se seu coração lhe revelava estas coisas era porque ele era sábio, e conhecia todo o passado, o presente e quem sabe até o futuro de sua existência. E jamais mentiria sobre tais coisas.

Assim, que ouviu suas tão surpreendentes revelações, não mais se conteve e foi atrás de sua querida caixinha de música, o qual não via já a bastante tempo. Encontrou-a no sótão, um tanto empoeirada, mas ali estava o segredo que poderia mudar sua vida para sempre. Abriu-a e viu bem lá no cantinho um papel todo dobradinho. Agora já bem amarelado pelo tempo, e pensou que talvez, nem conseguisse ler o que estava escrito lá, e talvez, tivesse sido besteira ter deixado pra ler quando fosse adulta, afinal, bastava encontrar um adulto que lesse pra ela ainda criança e mesmo que não entendesse nada, ainda assim ficaria tudo registrado em seu coração. Mas agora era tarde para especular sobre o que passou. Com o coração acelerado começou a desdobrar aquele papel. A ansiedade começava a tomar conta de si, o anseio de saber o que aquele homem lhe escrevera a tanto tempo atrás.
Enfim, desdobrara todo o papel, e era inacreditável que tudo estava no mais perfeito estado de conservação. Estava tudo ali, ele lhe deixara o que parecia um poema escrito numa letra muito bonita, principalmente porque era de um homem.

Eis o mistério revelado, que esperara tanto tempo para cumprir seu papel. E assim estava escrito:

 Minha querida,
Minha tão doce e bela jovenzinha
Que há tanto tempo não via
Que saudades de ti
Desses seus olhos brilhantes
De coração pueril

 Quanta emoção em ler estas primeiras linhas! E ele falava com tanta propriedade que tudo me cabia acreditar.

 Meu coração exulta em rever-te
Sê abençoada
Porque aos meus dias deste sentido
Desde os tempos de outrora
Perdoai-me que em tua
Veste infantil
Não pude reconhecer-te imediatamente

 Ele tinha razão! Meu coração estava certo quando me revelara sobre essa misteriosa presença em minha vida ainda infante.

 Mas olhando no fundo de teus olhos
Pude reconhecer tua alma,
E na tua alma
Vi o amor
Que misteriosamente
Tem sua razão em mim
Ah, como sou grato
Pelo destino ter
Me levado a rever-te
Ah, minha pequena

 Era isso! Ali naquelas palavras estava o sentimento de meu coração, ainda infante, naquele dia. Agora compreendia a felicidade que sentia por rever aquele querido desconhecido.

 Obrigada minha querida
Por presentear-me com
Tua calorosa presença
Em forma ainda tão jovem!
Meu amor
Meu anjo amigo
Minha flor
Que vieste do paraíso
Mais uma vez me visitar!

 E um pouco antes de terminar tão agradabilíssima leitura, já pensava eu em como faria para encontrá-lo novamente, já que tantos anos se passaram e nunca mais sequer o vira novamente.

Foi quando cruzou os olhos na última linha daquele veredicto. Ali estava o que jamais pensara encontrar: o nome, o telefone e o endereço daquele jovem rapaz, mas que hoje de certo já era pra lá de homem feito. Vozes começaram a lhe soprar coisas ao ouvido. Estaria ele casado com alguma mulher, ou teria lhe esperado? Muito provável, diziam as vozes, que ele já a tivesse esquecido, e que afinal de contas, ela era apenas uma garotinha quando ele a viu.

E outra dúvida surgiu em sua mente, teria ele escrito em sua mais sã consciência, ou teria viajado nas profundezas de sua imaginação, apenas para agradar aquela menina a sua frente? Ele bem que poderia estar brincando de príncipe encantado com ela, afinal, o que poderia ele dizer à ela, uma menina que mal conhecia, talvez, fosse tudo uma brincadeira de sua parte.

 Era assim... Quando a gente descobria um mistério, misteriosamente nos encontrávamos a beira de outros... Seríamos loucos em acreditar em contos de fadas? Mas no instante seguinte eis que uma força por vezes maior que o medo, que a dúvida e a angústia, brotava de nosso coração, que a muito custo, ficava a gritar aos ouvidos, que tudo era verdade, que o amor enfim, existia além de qualquer racionalidade humana. Eis o íntimo de gente grande... são vozes daqui e de acolá... e pra quem daremos ouvidos é o que fará toda a diferença na vida.

Mas já havia se decidido, ela iria a sua procura. Não importava mais as circunstâncias disso ou daquilo outro. Agora seu coração lhe falava e já era perfeitamente capaz de entendê-lo. As regras e as contrarregras que ficassem pra lá, porque quem tinha coração tinha também uma bússola que lhe servia para guiar pelos caminhos da vida e o qual também nunca o deixaria se perder na imensidão do mundo, do vasto mundo de Raimundo.

 O coração era o guia, e amor o sinal.

E apenas isto devia o homem seguir na vida. Porque na vida já não era possível existir sem amar. E sem amar já não era possível respirar. Ainda que mesmo assim os homens o fizessem, ainda assim não teriam sido mais que mortos vivos, porque vivo é não,

Aquele que não sabe amar!
Aquele que não quer amar!
Aquele que não escolhe amar!

Pois já não era possível haver sentido nesta vida, sem o verdadeiro sentido que faz o verbo de amar...

 
Cenas do próximo capítulo:

 Joana encontrará o dono daquela misteriosa carta? Teria realmente tudo sido mero engano, mera brincadeira para agradar aquela doce menina? Estaria seu destino nas mãos daquele homem?

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