quinta-feira, 3 de maio de 2018

Álvares de Azevedo II

Lembrança de morrer

“Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente.E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro- Como as horas de um longo pesadelo  
Que se desfaz ao dobre de um sineiro.                        
(...)
Só levo uma saudade – é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!                      
(...)
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!                     
(...)
Beijarei a verdade santa e nua,Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitárioNa floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:-    Foi poeta – sonhou – e amou na vida.”

(Um dos poemas que mais gosto)

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